sábado, 17 de maio de 2008

40 ANOS DO AI-5


BAÚ DA NOTÍCIA: VEJA - Reportagem completa da edição.
18 de dezembro de 1968: Revolução, ano zero
Com um Ato Institucional mais forte, Costa e Silva anuncia um novo estilo
Numa sexta-feira, 13, de março de 1964, a caminho do comício da Central, na Guanabara, o Presidente João Goulart ouviu seu ajudante de ordens dizer: "Getúlio fez a Petrobrás e a Eletrobrás. O senhor hoje vai inaugurar a Mandabrás" (a expressão "mandar brasa" estava em voga). Dias depois - 31 de março -, uma revolução frustrava a concretização da "Mandabrás" de Goulart. Como diria mais tarde seu Ministro da Justiça Abelardo Jurema - no livro "Sexta-Feira, 13"-, o comício levou Goulart "ao delírio de uma glória efêmera, ao mesmo tempo que o jogou no ostracismo de um exílio". Numa sexta-feira, 13, de dezembro de 1968, porque "os instrumentos jurídicos que a Revolução vitoriosa outorgou à Nação para sua defesa, desenvolvimento e bem-estar de seu povo, estão servindo de meios para combatê-la e destruí-la", o Governo Costa e Silva anunciou a vigência do Ato Institucional nº 5, com "meios necessários e instrumentos legais para, assegurando a ordem e tranqüilidade, realizar os propósitos e os fins da Revolução de Março de 1964". É o mais drástico de todos os atos editados e deve-se pensar - segundo revelações de uma fonte militar - que ele foi feito para ser também o último, o definitivo.
PREOCUPAÇÃO ANTIGA - No entanto, referindo-se à Constituição de 1967 - que entrou em vigor no dia 15 de março, justamente no dia de sua posse -, o Presidente Costa e Silva dizia que "o País já dispõe de uma Constituição moderna, viva e adequada. Restabelecendo o regime político tradicional e, ao mesmo tempo, dotando o Governo dos instrumentos indispensáveis à manutenção da ordem, da tranqüilidade e da paz pública, a nova lei básica afirmou o princípio de autoridade e realizou, sabiamente, a síntese dos ideais democráticos com os ideais revolucionários". A declaração presidencial estava em harmonia com a opinião predominante a partir do momento em que se desencadeou o movimento revolucionário de 1964: a tarefa de combate à subversão e à corrupção e de promoção do desenvolvimento econômico e social pode ser executada dentro de uma estrutura de equilíbrio, pelo menos relativo, dos três poderes (Executivo, Legislat o Judiciário). E a preservação e o fortalecimento desse esquema não era só possível como também desejável. Daí aceitar-se, em seu benefício, o prejuízo de alguns objetivos revolucionários.
EM NOME DO PRINCÍPIO - Por isso, no Ato Institucional nº 1, de 9 de de 1964, seus signatários - General Costa e Silva, Brigadeiro Correia de Melo e Almirante Augusto Rademaker - afirmavam que "para demonstrar que não pretendemos radicalizar o movimento revolucionário, decidimos manter a Constituição de 1946, limitando-nos a modificá-la apenas na parte relativa aos poderes do Presidente da República". Consta ainda do preâmbulo do Ato Institucional nº 1 que, "para limitar ainda mais os plenos poderes de que se acha investida a Revolução vitoriosa", o Comando Supremo resolvia "manter o Congresso Nacional, com as reservas relativas aos seus poderes, constantes do Ato Institucional". A preocupação da auto-limitação do poder revolucionário aparece no artigo 2º do Ato, marcando para dali a dois dias a eleição do Presidente da República, com mandato até 31 de janeiro de 1966, data do fim da vigência do Ato. As garantias constitucionais de vitaliciedade e estabilidade foram suspensas por seis meses.
PELA CONTINUIDADE - Afirmando que a Revolução é "um movimento que veio da inspiração do povo brasileiro", o preâmbulo do Ato Institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965, procura deixar clara a continuidade do movimento: "Não se disse que a Revolução não continuará". Assim, "a autolimitação que a Revolução se impôs no Ato Institucional de 9 de abril de 1964 não significa, portanto, que, tendo poderes para limitar-se, tenha negado a si mesma por essa limitação, ou se tenha despojado da carga de poder que lhe é inerente como movimento. A Revolução está viva e não retrocede". Apesar disso, o AI-2, editado pelo Presidente Castelo Branco, como "Chefe do Governo Revolucionário e Comandante Supremo das Forças Armadas", também limitou a sua vigência até o dia 15 de março de 1967, data prevista para entrar em vigor a nova Constituição.
A NOVA DIMENSÃO - Quando o Ministro Costa e Silva, em nome do Governo, anunciou na noite de sexta-feira da semana passada, por uma cadeia de rádio e televisão, o Ato Institucional nº 5, o espírito que emanava do seu texto diferia basicamente daquele dos atos 1 e 2. Até aqui, a principal preocupação do movimento foi a de se legalizar, de legitimar juridicamente a sua própria existência. Assim, manteve o Congresso em funcionamento e, através dele, fez aprovar uma Constituição e eleger o Presidente da República. Contudo, a partir do segundo semestre deste ano, principalmente, quando a crise estudantil veio para as ruas e a autoridade do Governo passou a ser contestada, os meios militares começaram a se convencer de que a manipulação legal dos instrumentos de poder assegurados pela Constituição de 1967 não era tão rápida quanto as circunstâncias exigiam.
O RITMO IDEAL - Os estudantes, a crise com a Igreja, as ondas de assaltos e atentados terroristas só serviram para embaraçar o Governo e animar as oposições. Foi então que líderes militares, como o General Albuquerque Lima, Ministro do Interior, começaram a reclamar a necessidade de ser reencontrado o espírito e o ritmo da Revolução, com sua dilação no tempo e no espaço "por dez anos, se necessário, para realizar tudo aquilo que não soube ou simplesmente não teve coragem de fazer". A recusa da licença para processar o Deputado Márcio Moreira Alves, caracterizando a ausência de um sólido sistema de entrosamento do Governo com o seu partido (a Arena), serviu de argumento final para que a tese - até então em minoria - se agigantasse: a de que a estrutura constitucional não se pode sobrepor às metas da Revolução. Ou, como diria o General Albuquerque Lima, era preciso impedir que a Revolução se perdesse por timidez.
UM ATO DE ANÁLISE - O Ato Institucional não deixa de ser uma autocrítica da Revolução, onde o partido do Governo não escapa a uma censura no preâmbulo. E na decretação do recesso do Congresso por tempo indeterminado está o sinal mais evidente de uma nova fase em que a Revolução se reinicia sem a classe política que não quis ou não pôde integrar-se no processo revolucionário. A manutenção da Constituição de 1967 tem o efeito de manter também o mesmo sistema de escolha do Presidente da República. Mas é bem provável que nos atos complementares que se anunciam um deles venha a tratar do processo eleitoral. Quanto às punições, a impressão geral, na área do Governo, é que esse período será rápido, seguido de uma ofensiva reformista e administrativa. O Ato teve o cuidado de colocar a dimensão econômica como um dos dados mais importantes da questão. Por isso, os ministros Hélio Beltrão e Delfim Netto, antes temerosos da repercussão das medidas excepcionais sobre o mercado e o volume de investimentos, teriam concordado com elas. E o Presidente Costa e Silva, que tanto insistiu na integridade da Constituição em vigor, se curvou aos argumentos em torno dos quais os militares se uniram: a Revolução estava a caminho da autodestruição; com o AI-5, forte apenas por precaução - para que outros não sejam necessários -, o regime não será afetado, já que as medidas excepcionais só serão aplicadas se forem inevitáveis; e, finalmente, agora a Revolução tem em suas mãos todos os poderes para a sua realização. O dia 13 de dezembro, para os militares, passa a constituir o Ano Zero da Revolução. "Agora a coisa vai". disse um deles.

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